terça-feira, 29 de julho de 2014

Censura em Detalhes ( ou o Rei está nu)


Enfim terminei minha leitura de um dos livros que com certeza estará nas listas de melhores do ano. “O Réu e o Rei”, lançando em junho deste ano por de Paulo César de Araújo, esmiúça uma das maiores polêmicas envolvendo o "rei da música" no Brasil, Roberto Carlos, e ele próprio, o réu, Paulo César. Com a obra, ele nos mostra como se tornou fã da música de Roberto Carlos, e posteriormente pesquisador e biógrafo do ídolo, ao escrever “Roberto Carlos em Detalhes”. Tudo estaria bem se o "rei" não tivesse entrado na justiça e, através de um bizarro acordo com a editora Planeta, ter conseguido tirar de circulação o livro. Mais de 10 mil exemplares estão na posse de Roberto Carlos e não se sabe o que ele fez com eles.

“O Réu e o Rei”, diferente do polêmico “Roberto Carlos em Detalhes”, não é um livro para fãs ou admiradores do cantor. Deve ser lido por todos. É mais que um relato de um julgamento, ou “a biografia do biógrafo”. É peça fundamental na discussão sobre liberdade de expressão no Brasil. Na contramão de diversos países, o Brasil hoje tem leis que permitem a censura prévia de obras biográficas, não apenas livros, mas também filmes, documentários e outros. Paulo César destrincha o processo sofrido por ele e mostra que "invasão de privacidade" e "uso comercial da imagem" não são argumentos tão fortes quanto parecem ser para quem reivindica a proibição de obras literárias ou cinematográficas de caráter biográfico. E que não houve nenhuma das duas situações em relação ao seu livro.

No entanto, o mais estarrecedor é ver como os advogados de Roberto Carlos conseguiram manipular o processo contra Paulo César, alterando termos, distorcendo trechos e transformando uma pesquisa séria em um livro de fofocas. Para piorar, a audiência conciliatória se mostrou ainda mais estranha, com o juiz ameaçando fechar a editora e tirando fotos com Roberto Carlos ao final da sessão. Só esses motivos já seriam suficientes para ser contra essa absurda proibição.


Procure Saber?


Porém não foi que pensaram Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan e Chico Buarque quando incorporaram ao movimento “Procure Saber” a pauta de Roberto Carlos e assumiram uma inesperada postura contra as chamadas "biografias não-autorizadas". Mais do que preservação da privacidade, os artistas reclamavam sua fatia no bolo. Como se biografias fossem barris de petróleo. A repercussão foi tão negativa que o discurso teve que ficar mais brando e Roberto Carlos deixou os colegas sozinhos na

fogueira, abandonando o “Procure Saber”. Nunca um nome de entidade foi tão contraditório.

É de impressionar o nível de detalhamento e apuração do autor. Uma verdadeira aula para qualquer pesquisador, jornalista ou repórter. Assim como em seus trabalhos anteriores (“Eu Não Sou Cachorro, Não” e “Roberto Carlos em Detalhes”), a obra impressiona pela seu rigor com os dados e informações, pelo detalhamento e a ligações que consegue construir. Se tem algo de positivo em toda essa história, sem dúvida é esse livro. Por diversas páginas, ele consegue descrever seus mais de 20 anos de pesquisa sobre música popular brasileira, suas tentativas frustradas de entrevistar Roberto Carlos, enquanto conseguia entrevistar outros gigantes da nossa música (ficando amigo de nada mais nada menos que João Gilberto). É sem dúvidas uma história em detalhes.

Mudanças à vista

Em meio a toda essa polêmica envolvendo a disputa pela autorização ou não de obras biográficas, o Brasil conseguiu dar um importante (ainda que lento) passo. Em maio, pouco antes do lançamento do livro, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 393/1, a chamada Lei das Biografias, que altera o código civil e libera a publicação de "imagens, escritos e informações" biográficas de personalidades públicas, sem necessidade de autorização do biografado ou de seus descendentes. O texto ainda deve ser votado pelo Senado e, se aprovado, segue para sanção da presidente Dilma Rousseff. Em novembro do ano passado o Supremo Tribunal Federal realizou uma audiência pública, afim de debater o assunto. O julgamento estava previsto para o primeiro semestre desse ano, mas até o momento não tem previsão.

Ou seja, ainda vamos esperar mais um pouco para que o Brasil possa construir sua história sem amarras, sem censura-prévia, sem reis tiranos que acham que podem controlar não apenas a história, como também a cultura.
                             
                                         Roda Viva com Paulo Cesar  de Araújo

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Uma boa derrota

Alemães comemoram. (  Foto: Jefferson Bernades/VIPCOMM)
Depois de ler diversas analises, crônicas e outros textos em geral, cheguei à conclusão que a derrota acachapante do Brasil para a Alemanha por 7 a 1, foi muito boa para nós. Não, não estou aqui evocando o ‘coxinhismo’ que assolou as redes pós-derrota e adentrou até no perfil de presidenciáveis. Falo do ponto de vista que enfim devemos aprender com a derrota. Nada de caça às bruxas, ou de vilões individuais.

Uma das coisas que deve ser sepultada junto com essa derrota é toda essa conversa de mística, pátria de chuteiras, de que o simples fato de ser brasileiro nos faz melhor que nossos adversários. Que o futebol-arte está no nosso DNA. Deixem isso para os cronistas e torcedores mais fánaticos. Não que o futebol não tenha o “imponderável”, aquela situação inesperada e que muda toda a rota do jogo. O Brasil já havia gasto sua cota de mística no empate contra o Chile. Não dá pra esperar em todos os jogos. Alguém pode dizer que foi assim que nos tornamos penta, é fato. Vencemos e construimos todos os mitos que nos rodeia, mas tínhamos craques de sobra e que hoje estão em falta.

É necessário se pensar a longo prazo. A preparação começou ano passado. A Copa das Confederações enganou muita gente. Todos os adversários que o Brasil bateu ano passado (Itália, Uruguai, Espanha) saíram mais cedo este ano. Não que a seleção escolhida por Felipão fosse extremamente ruim, mas era um time que visivelmente tinha dificuldade nas adversidades e pouca variação tática. A Copa tem mostrado que tática tem levado equipes medianas mais longe (como Costa Rica e Grécia) e se as equipes também tiverem técnica, podem ser campeãs (como Alemanha e Holanda). 

Essa não foi a primeira derrota marcante da seleção brasileira. Ainda hoje se fala de 1950, de 1982, 1998 e 2010.  A questão é que pra cada uma dela sempre culpamos alguém. É hora de exorcizar os mitos de Barbosa, Cerezo, Ronaldo e Felipe Melo. 

Infelizmente é dificil esperar uma mudança se os mesmos nomes continuam e continuarão no comando da CBF, dos clubes e Federações. E justamente por conta dessa falta de mudança não apenas de comando, mas de mentalidade, ideias, gestão é que hoje vivenciamos um dos períodos mais pobres de craques já visto em território brasileiro. 

Precisamos de menos técnicos defasados como Felipão e Parreira, menos holofotes como Luciano Huck de helicóptero no treino, menos arrogância nas coletivas de imprensa, menos ufanismo cego e nacionalismo de boutique. É mais planejamento, mais seriedade, mais tática aliada à técnica, menos mística e “Deus é brasileiro”. É preciso enfim aprender com a derrota.


Felipão mostra o placar para Bernard (Foto: David Gray/Reuters)